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Análise Detalhada do Julgado: Legado de Renda Vitalícia (STJ - Informativo 856)

  • Foto do escritor: Alberto Câmara Pinto
    Alberto Câmara Pinto
  • 2 de set.
  • 3 min de leitura
dois advogados discutindo e assinando documento

Primeiramente, é importante entender os conceitos. Em um testamento, uma pessoa (o testador) pode deixar um "legado", que é um bem ou um direito específico para alguém (o legatário). A "renda vitalícia" é uma modalidade de legado onde o legatário recebe pagamentos periódicos (geralmente mensais) por toda a sua vida. O objetivo é garantir o sustento ou amparo financeiro dessa pessoa.


Qual era a controvérsia?


A principal questão jurídica era definir o momento exato em que a obrigação de pagar essa renda mensal se inicia. A dúvida era: Os herdeiros só são obrigados a começar os pagamentos após a conclusão e a partilha do inventário, quando a divisão dos bens está formalmente definida?


Ou a obrigação de pagar a renda começa imediatamente com a morte do testador (abertura da sucessão), mesmo que o inventário ainda esteja em andamento?


Qual foi a Decisão do STJ?


A Terceira Turma do STJ decidiu que o pagamento do legado de renda vitalícia é devido desde a abertura da sucessão (ou seja, a partir da data do falecimento do testador), independentemente da conclusão do inventário.


Fundamentos da Decisão:


A decisão se baseia nos seguintes pontos principais:


  • Natureza Alimentar da Renda: A renda vitalícia tem, em sua essência, um caráter de sustento, ou seja, natureza alimentar. Se o legatário tivesse que esperar anos pela conclusão de um processo de inventário (que pode ser muito demorado) para começar a receber os pagamentos, a finalidade do legado, que é garantir seu sustento imediato, seria completamente frustrada.


  • Princípio da "Saisine": No direito sucessório brasileiro, vigora o princípio da Saisine, previsto no artigo 1.784 do Código Civil. Segundo esse princípio, com a morte, a herança é transmitida imediatamente aos herdeiros. Por consequência, as obrigações deixadas pelo falecido também passam a ser de responsabilidade do espólio (o conjunto de bens, direitos e obrigações da pessoa falecida) a partir desse momento. O legado é uma dessas obrigações.


  • Diferenciação do Legado de Coisa Certa: O STJ diferenciou o legado de renda do legado de um bem específico (como um imóvel ou um carro). No caso de um bem específico, o legatário só pode exigir a entrega após a validação do testamento e a partilha. Já a renda periódica, por sua natureza de trato sucessivo e caráter alimentar, justifica um tratamento diferente, com exigibilidade imediata.


Impacto Prático da Decisão:


  • Proteção ao Legatário: A decisão oferece uma proteção muito maior ao beneficiário do legado. Ele não fica à mercê da demora do processo de inventário e pode exigir o cumprimento da vontade do testador de forma mais rápida, garantindo sua subsistência.


  • Responsabilidade dos Herdeiros e do Espólio: Fica claro que os herdeiros (ou o espólio, representado pelo inventariante) têm o dever de separar os recursos necessários para cumprir essa obrigação desde o início do inventário. Os pagamentos devem ser feitos com os rendimentos dos bens da herança. Caso não haja rendimentos suficientes, pode ser necessária a venda de algum bem para garantir o cumprimento do legado.


  • Efetividade do Testamento: A decisão prestigia a autonomia e a vontade do testador, garantindo que sua disposição de última vontade seja cumprida de maneira eficaz e atinja o objetivo para o qual foi criada.


Em resumo, o STJ consolidou o entendimento de que a obrigação de pagar um legado de renda vitalícia não é uma mera formalidade a ser cumprida ao final do inventário, mas sim um dever imediato que surge com a morte do testador, dada a sua importância para o sustento do beneficiário.

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